Olá! Estamos no setembro amarelo e falar da depressão é importante, mas o bullying também é necessário ser discutido sempre que possível, e esse é o tema deste conto. Espero que ele te traga reflexão e emocione assim como a mim quando o escrevi. Boa leitura!
Atípica
Gia Oliver
Maria havia
se mudado para uma nova cidade após seus pais terem se divorciado, e quem ficou
com a sua guarda foi sua mãe, a Laura, que infelizmente teve que mudar de
emprego para arcar sozinha com as despesas da casa. A garota não gostou de ter
que mudar de escola, pois seria uma novata e tinha medo de não conseguir fazer
novos amigos no novo colégio. Ela sempre foi uma criança solitária e tímida, e
por isso tinha dificuldades de se aproximar de pessoas novas. Era extremamente
desconfiada com estranhos.
Naquela manhã
sua mãe a apressou para que tomasse seu café da manhã logo, pois iria levá-la
até a escola e de lá iria para seu novo trabalho.
— Mamãe, eu
estou com medo de ir para a escola.
— Não precisa ter medo, e vai ver que logo fará
amiguinhos.
Maria abaixou
a cabeça e encarou os próprios pés, depois ajeitou os óculos no rosto, prendeu
os cabelos negros e cacheados em um rabo de cavalo, e depois seguiu em direção
para o carro de sua mãe que estava na garagem.
Durante os
trinta minutos de percurso até o colégio a menina não disse nada, apenas
escutava no fone de ouvido algumas músicas em seu celular para tentar relaxar e
deixar de lado o nervosismo do primeiro dia de aula.
Laura levou a
filha até a sua sala, em seguida deu um beijo terno na testa dela, e um abraço
apertado.
— Se
comporte, e seja educada e gentil como eu te ensinei, ok? Espero que seu
primeiro dia seja muito bom. Eu te amo! Agora a mamãe precisa ir.
— Eu também
te amo, mamãe. — A filha retribuiu o abraço apertado da mãe e se sentiu um
pouco mais confiante para entrar finalmente na sala que a encarava como se
fosse uma intrusa. Laura foi embora e Maria se dirigiu até a última carteira da
primeira fileira ao lado da porta, era a única que estava vazia.
Uma garota de
cabelos castanho-claros e olhos escuros cutucou a colega do seu lado, e deu uma
risadinha.
— Parece que
alguém esqueceu que a gente está na quinta série, e não no “prézinho” para vir
acompanhada da mamãe. Que bebezona, você não acha Paula? — As duas continuavam
tirando sarro da Maria, e ela ouvia tudo por que os comentários vinham das
últimas carteiras da fileira do meio. Com vergonha a menina abaixou a cabeça
por alguns minutos até que a voz da professora que entrou na sala a fez se
concentrar na lição que ela começou a passar na lousa.
Quando
finalmente chegou a hora do intervalo
Maria sentiu-se aliviada, pois enfim teria um pouco de paz. No entanto, não
esperava que até mesmo no recreio seria perseguida. Camila e Paula eram
melhores amigas e todo mundo temia as duas, que eram as mais altas da sala. Ninguém
ousava enfrentá-las e contrariá-las, e elas se sentiam como se fossem rainhas
por causa disso.
Maria sentou-se
no banco de madeira no pátio da escola, abriu um livro de edição de bolso com
algumas histórias de Monteiro Lobato para ler, autor este que ela aprendeu a
gostar desde que sua mãe lia histórias dele para ela dormir quando era menor.
Ela iria lê-lo após ter comido seu sanduíche de peito de peru e tomado seu suco
de laranja que havia trago na lancheira rosa, quando de repente, Camila e Paula
que estava pulando corda com outras meninas olharam para ela, pararam o que
estavam fazendo e começaram a andar em direção a ela.
— Além de ser
bebezona, ainda é nerd? Estou começando a achar que você vai deixar os dias
nessa escola bem interessantes, garota. O que está lendo? — Paula tomou o livro
da mão de Maria e a olhou com desdém.
— O que vocês
querem, afinal? Por que não me deixam em paz?
— Não vai
chorar, vai? — Camila provocou-lhe.
— Eu estou
morrendo de sede, acho que mereço um pouco dessa água da sua garrafinha fofa da
barbie. — A mãe de Maria tinha o costume
de organizar a lancheira da filha, e por isso sempre colocava o lanche, o suco
e uma pequena garrafa de água dentro da pequena bolsa. Maria gostava muito
daquela garrafa por que fora presente de sua mãe, e agora Paula havia se
apossado dela sem o menor escrúpulo, e isso irritou muito a menina.
— Você é muito
folgada, nem me pediu antes de tomar a minha água. A sua mãe não te ensinou a
ter educação?
— O que você
disse? — Paula deu um empurrão em Maria e a encarou.
— Escuta aqui
sua vara pau por que é isso que você é, tão magra que parece um palito. Se eu
fosse você não me enfrentaria como fez, a próxima vez eu posso não ser tão
legal com você. Se liga bobona! — disse Paula, e m seguida deu um sorriso
inadvertido para Camila, ambas tiveram que se afastar da menina por que o sinal
tocou e precisavam voltar para a sala de aula.
Maria não
queria chorar na frente de ninguém, por isso foi ao banheiro rapidamente e ali
se permitiu sentir a tristeza pela forma como foi insultada, aquele rótulo de “
menina vara pau” foi muito doloroso para ela. Além disso, ela sentia muito a
falta de seu pai que após a separação não demorou a construir uma nova família,
e sequer lembrava-se de ao menos ligar para ela, era como se ela não existisse
para ele, e isso lhe causava uma dor insuportável que parecia que iria
consumi-la cada vez mais.
Depois
daquele dia o comportamento introspectivo e solitário dela apenas aumentou.
Maria tinha pesadelos, distúrbios de sono, e sempre dizia que não queria mais
voltar para aquela escola. Um dia ela chegou em casa com os cabelos
desnivelados nas pontas como se ela mesma tivesse feito uma travessura e
tentado cortar sozinha.
— O que
aconteceu com o seu cabelo? Por que está desse jeito todo picotado nas pontas?
Maria
respirou fundo e tentou conter a dor imensa que sentia dentro de si, mas foi
impossível, pois ela começou a chorar compulsivamente.
— O que foi?
Por que está chorando assim? Você está tão diferente nos últimos dias.... Isso
está me preocupando, filha. Aconteceu alguma coisa?
— Mãe, por
favor, eu não quero mais ir para essa escola. Eu não aguento mais! — Laura
sentiu o coração apertado ao ver a filha daquele jeito, e comprovou que estava
certa em desconfiar que alguma coisa aconteceu ao seu pequeno anjo no colégio.
— Me conta o
que aconteceu, e assim eu tentarei te ajudar. Você sabe que pode contar comigo
para tudo.
Maria foi
amparada nos braços da mãe e aos poucos foi se acalmando.
— Eu estou
cansada de ser chamada de ser ofendida o tempo todo por algumas meninas da
minha sala, que algumas vezes também roubam o meu lanche, pegam as minhas
coisas sem pedir, rasgam meus livros e revistas por maldade. Ah, e quando eu
tentei encarar as duas, elas me arrastaram para o banheiro e aprontaram com meu
cabelo dizendo que iriam me ajudar a diminuir a moita dele por que como você
sabe meu cabelo é muito cheio.
— Por isso
você pedia tanto para alisar teu cabelo? — Maria assentiu.
— Eu estranhei isso por que antes você não
gostava de fazer progressiva. Sabe? Eu sempre achei o seu cabelo lindo por que
você é uma negra muito linda exatamente como é. — Maria queria poder acreditar
nas palavras da sua mãe, mas era tarde demais por que o trauma quebrou a sua
autoimagem.
— No dia em
que cheguei em casa com a camiseta toda suja de barro, menti que tinha
tropeçado numa poça quando voltava da escola, mas, na verdade, as meninas arrastaram-me
para um terreno baldio próximo do colégio e me bateram só por que me recusei a
deixar que elas colassem de mim na prova.
Chega! Eu faço o que você quiser, mas me tira de lá, por favor. Voltar para aquela escola é pior que morrer.
— implorou a garota para tentar convencer sua mãe.
Laura ficou boquiaberta com o relato do
sofrimento da filha, jamais poderia supor que ela estivesse enfrentando
bullying em tenra idade, mas a verdade, era que para a covardia e o preconceito
das pessoas não existe idade certa, pois a intolerância está agarrada no
coração delas como um veneno, e aparece nos momentos que lhe são oportunos.
***
Algum tempo
depois Maria foi levada para uma psicóloga e a profissional constatou uma leve
depressão na menina em decorrência do divórcio repentino dos pais, e o bullying
apenas a tornou mais retraída e solitária. Apenas com a terapia a menina teve
algumas evoluções que lhe permitiram sorrir novamente, e tentar fazer novos
amigos apesar de tudo que sofreu.
Ela mudou de
colégio outra vez e felizmente neste não havia nenhum aluno valentão para lhe
importunar, e assim com o tempo ela foi se soltando aos poucos, como uma
lagarta em fase de metamorfose até virar uma linda borboleta.
Maria ainda
teria um longo caminho até aprender a voar, mas entendeu que não deveria mais
se sentir atípica, uma estranha no mundo, alguém que não se encaixava em lugar
algum. Ela compreendeu que era amada e que iriam gostar dela como ela realmente
era, uma menina tímida e quieta, mas que quando se empolgava poderia ser a
companheira de várias brincadeiras divertidas que fazem da infância um momento
tão especial e importante na vida.
Maria estava
na fase de construção do casulo e um dia finalmente ganharia as suas asas,
enquanto isso ela aproveitava para trocar informações com colegas que gostavam
das mesmas bandas que ela, e se tornou um dos destaques da sua sala nas
redações por que ela aprendeu a canalizar a dor, transformando-a em combustível
para ser alguém melhor no mundo.
Amei❤️❤️
ResponderExcluirobrigada, ele está na antologia precisamos falar sobre da editora hope.
Excluir