Resenha: Antologia Cicatrizes na alma - Vanessa Nunes

 

Obra: Antologia Cicatrizes na Alma

Organização: Vanessa Nunes

Editora: Emcontos

Versão digital:  Ebook na amazon

Número de páginas: 412

Sinopse: Quantas dores conseguimos superar? O que é te deixar cicatrizes para sempre? Às vezes nada parece o suficiente. Nos sentimos perdidos, em meio a escuridão, procurando nos apoiar em algo que parece impossível de encontrar. Somos recobertos de vazio, diante das lágrimas, acusações e atos dos outros que destroçam nosso coração.

Como superar? Como seguir em frente diante das feridas deixadas em nossa alma?
Com histórias capazes de fazer os leitores refletirem, essa antologia deseja não apenas mostrar a tristeza que pode nos consumir em qualquer instante. Deseja celebrar a empatia, fazer com que cada um abra os olhos e celebre a vida, não só a própria, mas do outro, que pode estar ao lado, precisando apenas de um gesto de afeto e apoio para seguir adiante. Pois é bem melhor expor as Cicatrizes da Alma e reconstruir-se, fortalecer-se, a permitir-se que a dor te afogue.

      Oi, gente! Hoje trago uma resenha super especial dessa antologia maravilhosa que tive o prazer de participar. 
    Cicatrizes na alma é uma coletânea repleta de histórias profundas, impactantes e reflexivas que mostram o sofrimento humano como realmente acontece. Aqui temos histórias de jovens e adultos que lidam com monstros em sua mente, e que enfrentam batalhas diárias para vencê-los e reencontrar a força de que precisam para seguir em frente e recomeçar.
    Esse é mais um projeto marcante na minha carreira com autora, um dos que mais me marcou porque é difícil encontrar tanta sensibilidade e cuidado para retratar a depressão e o suicídio como os autores e a organizadora fizeram. Só digo a vocês que se preparem para se emocionar porque é impossível ser o mesmo após essa leitura intensa e enriquecedora. 

     A antologia foi o primeiro calhamaço que li nesse ano, desde janeiro estava bastante envolvida com cada história de mães, pais, filhos  e amigos que perderam alguém que amavam, ou que sofreram os revés da vida e perderam a esperança de nadar contra a maré. 
    Cicatrizes na alma se tornou uma grande referência em projeto literário para mostrar a luta contra os nossos maiores inimigos e a importância do amor, da empatia e do respeito ao próximo para que se possa  compreender a sua dor.
    Aqui somos chacoalhados com enredos que nos provocam revolta, tristeza e também a emoção da superação, pois vemos que é possível sair da escuridão e da dor com ajuda da terapia e daqueles que amamos.
    Muitas pessoas julgam aqueles que se entregam a dor e ao desespero, mas aqui muitas vezes vemos cartas de pessoas que estão esperando por um ponto final a dor que consome suas almas, mas em algum momento a vida lhes dá mais uma chance, um motivo para manter o coração batendo á espera de dias melhores.
    
    " A mente humana pode ser muitas vezes o pior de todos os castigos. Ela sabe o momento certo e a lembrança propícia que mais nos trará sofrimento. E em posse dessa informação, abusa da reprodução, como se a tortura  lhe fosse de todo, prazerosa". 

    Antes de tudo devo dizer que essa resenha vai ser longa, não há como falar de um tema tão importante em poucas palavras, ok? Então devo começar comentando um pouco sobre os assuntos abordados e como  me identifiquei com a forma cautelosa com que os autores os retrataram. Mas se você quiser só ler a resenha e pular meu relato, não há problema. 

    Ansiedade e a depressão na maioria das vezes sempre chegam em nossas vidas de mãos dadas, e esse combo é uma bomba  em contagem regressiva. Quando  a gente menos espera elas já estão sentadas no sofá tomando café com a gente e tentando soprar a nossa vida como se fosse um castelo de cartas ao seu bel prazer. 

     É um jogo torturante, elas nos deixam em um looping de lembranças traumáticas e dolorosas, fazem nosso corpo parecer que vai entrar  num colapso e nos distanciam cada vez de quem realmente somos ou deveríamos ser, e é aí que a gente se olha no espelho sem ânimo, sem sonhos, nos sentimentos abandonados, desacreditados e percebemos que vivemos no piloto automático dia após dia, tudo passa a ser um enorme sacrifício, e começa a ser comum disfarçar a nossa dor para a sociedade por trás dos sorrisos amarelos e das fotos sorridentes nas redes sociais, afinal de contas, como demonstrar que estamos quebrados por dentro quando ninguém parece se importar com o que realmente sentimos, não é mesmo?  

        EU, A DEPRESSÃO E A SUA TRUPE

    Essa leitura foi intensa pra mim e me fez sentir representada, já que na adolescência eu mergulhei na dor da rejeição, nos sentimentos de insuficiência causados pela minha mãe e as suas cobranças e comparações sufocantes, e claro o combo da ovelha negra, os traumas por abusos e as crises de pânico acompanhadas dos pesadelos que tiravam meu sono. 
        Compreendo o motivo de as pessoas descontarem em suas peles a dor que elas sentem por dentro na tentativa de sentir algo mais real, ou se punir por alguma coisa que acha que fez errado, a automutilação. Eu já estive desse lado no passado e passar por esse vale sombrio foi duro, doloroso, eu tive que morrer por dentro para renascer das cinzas. 

    Ignorei a negação depois da sentença de cegueira dada ao meu pai que tem glaucoma e baixa visão, ignorei os problemas do alcoolismo em casa, e tranquei meus traumas dentro da minha mente até onde fui capaz de aguentar. Mas a depressão é sorrateira e se você acha que ela te larga fácil, aí é que se engana. De lá pra cá vivi entre altos e baixos, entre crises constantes de ansiedade antes e depois da terapia, mas ela me deu resiliência para lutar e não deixar que as crises durem mais do que poucos dias, principalmente agora que tenho uma criança pequena para cuidar, amar e proteger. Nesse ponto fui tocada em muitos contos que abordaram essa questão da mãe depressiva que se apega aos filhos pra lutar pra vencer dias caóticos. 

    Não existe ex-depressivo, basta um passo em falso e ela aparece da sua viagem pra perturbar, e se ganhar um gatilho pode acordar e querer arrebentar as correntes da sua prisão dentro de nós. Eu a comparo com um monstro de três cabeças, enquanto não aprendi a neutralizar todas, ela ainda se alimentava e me dava rasteiras nos últimos anos,  até que decidi que ela não teria mais controle sobre mim, eu não seria mais sua marionete e nem iria mais distorcer como eu me via no espelho ou como deveria me sentir em relação ao meu peso ou cobranças para ser bem-sucedida antes dos temidos 30. 
    Hoje em dia  apenas a ansiedade ainda me atrapalha um pouco, é uma pedra no meu sapato, mas com atividade física e hobbys ela não tem muito espaço pra fazer eu me autosabotar. Ela não me deixa dormir  direito sem um planejamento completo do meu dia e da minha semana, algumas vezes me faz duvidar de mim mesma, mas eu rebato  suas críticas e a pressão que ela me impõe, fora a compulsão alimentar de vez em quando se sair do controle, mas aprendi a lidar com ela e a sua visita insistente, e sei como reduzir a sua manipulação na minha mente. Elas não me fazem mais de prisioneira. 

    
      Projetos como esse são muito importantes para conscientização e também quebra de paradigmas, pois ainda há muito preconceito acerca de transtornos emocionais hoje em dia. Parece  que dizer que tem borderline, bipolaridade, Toc,  estresse pós- traumático ( que acontece muito em casos de abusos psicológicos, sexuais e físicos), ou síndrome do pânico é sinal de fraqueza  e motivo para chacota, isso é tabu mesmo tendo tantas séries falando disso como 13 Reasons Why,  Spinnout, This is  Us, Modern Love, entre outras. Muita gente coloca a sua dor e a sua luta dentro de uma caixa e fecha dentro de si porque não pode demonstrar aos outros o que realmente sente e como sofre, é o jeito para se proteger da psicofobia. 

    Talvez por esse motivo acho importante  retratar transtornos emocionais nos livros  para conscientização. Se eu puder ajudar alguém a se entender, procurar tratamento, ajudar um amigo ou conhecido naquela situação, então já valeu a pena. E para tal nós que somos escritores pesquisamos bastante, enviamos a alguém que entenda do assunto para fazer uma leitura sensível para que nada seja romantizado.
      Nesta antologia tivemos a presença de profissionais habilitados para nos ajudar, autores e psicólogos leram todos os textos antes de aprovarem porque tinham o cuidado para que a mensagem fosse positiva ao leitor. Isso foi lindo demais, parabenizo toda equipe por terem tido essa preocupação. ☺

    Agora que você já sabe um pouco da minha experiência com as batalhas mentais, posso comentar um pouco sobre alguns contos que me mostraram o quanto ainda há esperança para a humanidade, ainda existe empatia no mundo.

    RESENHA 
    
   Já comecei me emocionando com o relato da prefaciadora Janaína Rico  que convive com a depressão e a bipolaridade, ela abre o jogo ao contar que já foi internada numa clínica após uma de suas tentativas de suicídio. E o que ela diz sobre ser uma luta constante para obter estabilidade como é para um viciado em recuperação, é real gente. Não vejo como possa dizer que sou uma  ex- depressiva, uma vez depressiva, sempre serei assim, a diferença é que eu escolho como aqueles sentimentos e lembranças vão me afetar e o que vou fazer com aquilo, e a terapia é fundamental para nos ensinar como vencer tudo isso e encontrar a luz nos dias sombrios
  A bipolaridade é um dos transtornos de humor que infelizmente está nas taxas grandes de suicídio assim como o borderline, que é um transtorno de personalidade, um jeito de ser.  Foi muito corajoso da parte dela falar sobre isso e  trazer um alerta sobre o assunto. 

" Sofro de transtorno bipolar e se não mantiver um tratamento médico sério e duradouro, incluindo uso de medicamentos, intercalo momentos de mania com outros de depressão. Estes últimos me deixam prostrada numa cama, sem saber por qual motivo devo viver, e o maior desejo que sinto é de que a minha existência nunca tivesse ocorrido". 
 
    Ser prisioneiro de si mesmo é mais doloroso do que outras doenças, afinal, as demais na maioria das vezes possui alguma chance de tratamento e cura, embora a vida seja uma surpresa e nem sempre estejamos preparados para lidar com um câncer avançado ou algo do tipo, ainda assim, a gente se apega a esperança até o fim. Já na depressão é como se você vivesse numa caverna e não conseguisse sair, fica cada vez mais escuro e assustador, e os pensamentos desconexos e ruins te dominam. Se entregar é deixar o remo e permitir que o mar nos leve, mas se a gente entender que não está sozinho e que há outros em situações parecidas, podemos nos ajudar e assim nos fortalecer. Buscar ajuda é a melhor escolha, vamos colocar pontos e vírgulas na nossa história, ainda há muito o que escrever nesse livro da existência.

  O conto " Pegadas de uma intrusa", da Adriana Araújo, traz a história de uma família que precisou se reerguer depois do ataque da intrusa que deixou todos atormentados e abatidos. O marido foi acometido por crises de ansiedade e depressão, e a esposa nos faz refletir sobre esse período e o que aprendeu em cada etapa dessa luta. É uma história linda e emocionante, amei. 

" Não temos mais identidade própria, tudo gira em torno da intrusa. Parece que  os nossos  planos para o futuro não existem mais. Tudo que sugerimos, a intrusa barra e não permite que sigamos adiante. Temos que ter uma força sobrenatural para persistir nas pequenas coisas, pois um simples evento parece um bicho de sete cabeças. Passamos a se, sem querer, um perseguido também." 

    O conto " Empatia" de Clara Magalhães, dá a impressão de que conversa com o leitor, ele esmiúça essa característica de inteligência emocional que é talvez algo raro hoje em dia, pois nem sempre as pessoas tem essa capacidade de se colocar no lugar do outro para poder entendê-lo. Foi um dos contos que mais gostei. 

    O conto " Empatia não faz mal" de Daya Alves nos leva a sentir  dor de Clarice, uma mulher que foi diagnosticada com depressão, Toc e síndrome do pânico, por pouco ela não se entregou ao desespero, mas a vida lhe deu maus uma chance para superar suas dores e seguir em frente, ela encontrou motivos para continuar apesar das dores em sua alma. Lindo demais! 

   Motorzinho, de Fabiana Prieto é uma linda história de uma mulher que sente sufocada pelas pressões familiares e em meio ao seu caos interior, ela encontra um pequeno ser para cuidar, e sem perceber aquele gatinho se tornou seu amigo, seu companheiro e mais um bom motivo para não desistir da vida. Eu me emocionei com esse conto. 

   A dor sem nome, de Kenny Teshiedel, é sem dúvidas um dos meus prediletos. Não contive as lágrimas com a dor de uma mãe que perdeu sua casa e seus filhos por causa de um deslizamento de terra. Essa história me comoveu tanto que consegui imaginar o que ela sentiu ao perceber que seus amados agora tinham partido, e o quanto foi duro começar tudo do zero e encontrar motivos para viver. Kenny tem uma sensibilidade extraordinária para retratar a dor humana em todas as suas nuances, acho isso sensacional, e por isso sou fã dos seus trabalhos. 

    A última dança, de Magda Melo, e um dos contos que mais mexeu comigo, talvez porque eu me identifico com essa questão de projeção de sucesso nos filhos, e a protagonista sofreu isso com a mãe narcisista e tóxica, uma mulher que deixou o balé ao engravidar e passou a esperar  estar nos palcos por meio de sua filha como protagonista nos espetáculos, o que é muito triste. Muitos filhos adoecem terrivelmente porque se sentem amendrotados e não querem decepcionar seus pais. 

    O conto " A menina que cortou os pulsos", de Marielle de Jesus, me quebrou porque vi uma garota que se sentia invisível e abandonada em casa, vivia com uma mãe viciada que parecia não se importar com mais nada e só sabia depreciar a filha, isso ati
vou a bomba interna de autodestruição, mas em algum momento essa garota ainda terá uma nova chance pra recomeçar e superar as feridas emocionais que a vida e as pessoas lhe causaram. Amei!

" Ah! Sabe o que aprendi nesses últimos tempos: a me amar, porque eu preciso de mim, e muito. Assim, a vontade de se machucar vai desaparecendo  devagar e a gente vai se cuidando aos poucos" 


    O conto " Urso amarelo" de Renata Maggessi, retrata a história da dor de uma mãe que perdeu seu filho jovem para o suicídio, e ela leva um bom tempo para voltar ao quarto dele e ler sua carta. Essa mãe encontra forças na terapia e em sua amiga para seguir em frente até que  a dor e a revolta se tornem mais suportáveis. 

    O conto " Elo fragmentado" da organizadora Vanessa Nunes, partiu meu coração, é uma história magnífica e tão profunda sobre o amor de irmãos e as armadilhas do destino. Imagina só se sentir culádo por toda vida por uma brincadeira boba ter sido a causa da morte de um irmão? É muita dor para alguém carregar. E eu pude sentir a dor e agonia desse personagem brigando com a vida e com seus monstros. É um dos meus favoritos também. 

" Ser depressivo, é um sentimento que não passa, é uma angústia injustificada, um desânimo que você não sabe de onde vem, apenas sabe que ele está lá."


    Eu ficaria uma eternidade para comentar sobre cada um dos contos, pois eu amei a maioria deles. Eu me identifiquei bastante com muitas histórias, e chorei com alguns, quem já teve depressão, ou conhece alguém que passou por isso com certeza vai se emocionar e ser impactado com essa coletânea. São lições de empatia, amor, respeito, amizade e laços. Posso dizer que foi uma leitura maravilhosa, e transformadora. Nunca vou esquecer essa antologia e parabenizo cada autor que escreveu com seu coração e com carinho e sensibilidade sobre esse assunto e soube retratar a doença como realmente é, mas trazendo esperança e positividade em cada texto.

   Amei e recomendo!

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